sexta-feira, 18 de julho de 2008

Homem do contra - Refugiado na Literatura


catavento

- Que é isso que tá tocando?
- Air – La Femme d´Argent,, é do Moon Safari.
- Bacana, trouxeste isso da Europa também?
- Não, comprei na lojinha da esquina.
- Eu poderia ir de carro até o fim do mundo escutando isso.
- Eu também.
Noite.
O automóvel preto vai deslizando suave por cima da asfalto, estrada vazia, as luzes verdes no painel iluminam o ponteiro estacionado nas 100 milhas por hora, as luzes brancas do farol vão projetadas no asfalto.
- Funny how secrets travel.
- Ahn!?
- Nada, eu disse alguma coisa?
- Balbuciou fazendo aquela tua cara de David Bowie.
Tira um cigarro do maço que estava em cima do painel, coloca entre os lábios, vai pegar o isqueiro quando parece lembrar de alguma coisa.
- Posso?
- O carro é teu.
Acende o cigarro e deixa entre os lábios.
- Eu lembrei daquele filme do Lynch, sabe? Detesto o Lynch.
- Detestas todo mundo.
- Não é bem assim, gosto de uma porção de coisas.
- Não, é apenas aquela tua forma esquisita de detestar.
- Ainda te lembras o caminho?
- Lembro.
- Bom, porque eu não lembro.
- Faz tempo que não o vês?
- Mais ou menos tanto quanto tu, não é preciso cruzar o Atlântico para ficar distante, se tivesses te dado conta tinhas economizado.
- Não conseguiria te convencer nem que tivéssemos que passar duas semanas dentro deste carro que eu realmente gosto de estar lá, não é?
- Não, não conseguiria.
Silêncio, a estrada parece ficar mais escura e mais estreita, o ponteiro do acelerador avança na direção da marca das 120 milhas.
- Como soubeste que ele queria nos ver?
- Telefonou-me, e a ti?
- Mandou recado através de minha irmã, ela disse que não conseguia entender o que diziam do outro lado da linha, quando percebeu que era ele, chorou.
- Ela deveria ter vindo também.
- Disse que não conseguiria, além do mais achava que tinha algo de exclusivo na despedida de um dos três.
- Bobagem.
- Foi o que eu disse, fato é que não quis vir, acho que entendo.
- Vai mais devagar, tens que pegar uma entrada uns quinhentos metros ali abaixo.
- Só vim até aqui uma vez, ele me mostrou o lugar, mas foi ainda antes de comprar, eu incomodava dizendo que ele estava virando um abraça árvore.
- E ele?
- Nem ligava, dizia que ia fazer isso e aquilo, e que ia colocar um cata-vento na entrada.
- Típico dele. É ali.
Ao deixar a estrada principal, os pneus do automóvel estalam os cascalhos soltos da estrada que leva até a propriedade. Quando os faróis iluminam uma cancela de madeira, pára.
- Abre ali.
- Abre tu.
- Eu já vim dirigindo até aqui, dá pra fazer o favor de abrir a cancela?
O caroneiro desce, abre a cancela, o automovel passa, espera até que o outro retorne. No fundo do terreno uma luz solitária ilumina a casa.
- Vamos logo que está muito frio.
Estacionam, a porta se abre, de braços cruzados uma mulher aparece.
- Olá, eu sou Sônia. Já os aguardava, ele está dormindo agora, apliquei-lhe uma dose de morfina, entrem, vou acomodá-los, amanhã poderão vê-lo.
O Cata-ventos ronronava sobre a porta quando entraram.

4 comentários:

Tiago Paixão disse...

Hoje tá bom o negócio!!! Grandes colunas !!! Grandes colunistas... Não há no mundo maneira mais estranha de gostar de alguém como nos gostamos caro amigo... Adoramos discordar... sempre foi assim... Mudamos... nos cruzamos em algum momento e sempre estivemos em lados opostos. E segue a amizade!

Marcelo Ribeiro disse...

Caríssimo!

Meus maiores amigos são pessoas com as quais travo os maiores (e melhores) debates.

E convenhamos, não dá pra debater com quem concorda com a gente.

ANA LÚCIA disse...

Gostei muito do texto. Inteligente!
Gostei também da receita do "chef". Muito boa...
Abçs,
Ana

Ollie disse...

Air... Muito bom esse CD!