segunda-feira, 28 de abril de 2008

Torres de Babel - Por Carla Torres


A matraca do ônibus:

Sim, no "Universidade". Onde mais?! Onde mais caras, tipos, idéias, loucuras e... papos, do que no ônibus que faz a linha centro/Universidade? Em variabilidade de exemplares humanos, o dito ônibus só perde para o RU do Campus. São lugares perfeitos para o pessoal das Cênicas fazer um laboratório. E, no longo percurso que separa o centro da cidade da Universidade, são breves ou intermináveis 30 minutos (ou algo em torno disso). Breves, se o livro que o olho aprendeu a acompanhar entre um solavanco e outro está bom a ponto de me fazer perder a parada, e intermináveis quando o que poderia ser uma concentrada revisão de conteúdos torna-se uma verdadeira tortura auditiva.
De novo: é ela, aquela menina da Fisioterapia. Não, não pode ser... Esfrego os olhos, afinal, pode ser apenas um sonho ruim ou ilusão de ótica. Que nada! É ela mesma, em carne e osso (e o peso dos ossos superam os normais 70% do peso naquele corpo). Como de costume, senta-se bem na minha frente, com aquela amiga de sempre e começa a falar. Como pode? Pensei que nunca mais iríamos, depois do meu primeiro semestre, nos encontrar num ônibus. A voz fina e estridente contrasta com a bocarra , que, por sua vez, é desproporcional ao rosto fino: é uma caricatura! As mãos, com longos dedos de unhas vermelhas, parecem adquirir vida própria quando ela começa a narrar, enlouquecida, o que fez com o namorado na noite passada. O ônibus está lotado e se eu quiser ter paz vou ter de ficar em pé lá na frente, e, finalmente, desistir de tentar ler algo nessa odisséia até a Universidade.
Não, ela não pára de falar, e suas palavras não são pronunciadas, articuladas com o suporte desse dom maravilhoso que é o raciocínio: elas vertem, são vomitadas, lançadas. Eu vou ir mal na prova - investira tudo nesse meio-tempo. Minha cabeça começa a latejar, meus globos oculares vão saltar da órbita, e minha mão vai parar, involuntariamente, em forma de concha, em cima daquela boca maldita. Não, definitivamente, não é possível um ser humano falar tanto e atingir um grau de futilidade tão extremo - o número de palavras por minuto deve ser umas três vezes maior do que as de um locutor de futebol narrando o jogo do time do coração. Frenética, ela não sabe de que cor serão as florezinhas que quer pintar sobre as unhas, pois elas têm de combinar com o batom que ela ainda não decidiu qual vai ser para esta noite.
A amiga, cujos ouvidos são depositários diretos de toda aquela poluição sonora, não tem lugar na conversa (já que tudo resume-se a um monólogo) e apaga-se ao lado daquele "step" de sirene do corpo-de-bombeiros. A boca trêmula, as narinas dilatadas e o olhar absorto e paralisado denunciam uma potencial suicida - e percebendo que ela olha excessivamente para a janela, encorajo-me a correr o braço por cima da cabeça da matraca e fechá-la, na tentativa de evitar uma tragédia maior.
Olho para o relógio: passaram-se só dez minutos, e minha existência já se torna insuportável, insustentável, entregue a uma condição subumana. A tortura timpânica - se é que me permitem o neologismo - ainda durará uns vinte minutos. Olho para o cobrador: somos cúmplices no sofrimento. Seus olhos quase lacrimejantes - fixando-se naquela boca, como a tentar entender como fala tanto - denunciam seu provável estado de espasmo mental, e ele está tão mais próximo da janela do que a amiga... Esse suicídio é mais difícil de tentar evitar: a janela está muito longe pra eu fechar. Somos, tenho certeza, pelo menos nesse momento - a amiga, o cobrador e eu - três potenciais assassinos.

Um comentário:

nelson disse...

seja bem vinda. nelson.